Poker dos Cornos
CAPÍTULO 1
Toda a loucura começou numa terça-feira. Sim, é isso mesmo que você ouviu, a loucura que vou contar teve seu início no dia mais pacato da semana, uma terça-feira. Mal a semana começava, e eu já cometia um dos piores erros de toda a minha vida. Marquei de encontrar num bar um amigo que havia perdido o contato com o passar dos anos.
E assim, na minha idade, quando um amigo reaparece, nunca é um bom sinal. Ou ele quer te pedir dinheiro, ou te colocar num esquema de pirâmide. Mas, já que naquela terça-feira eu não queria de jeito nenhum voltar para casa, a melhor opção mesmo era beber com o Fábio.
Ele já havia tentado me contactar algumas vezes durante os últimos anos, e eu sempre dava alguma desculpa para não encontrá-lo. Fábio era um amigo de longa data, moramos até juntos numa época, já que quando eramos mais novos, compartilhávamos do mesmo sonho: virar jogadores profissionais de poker.
Moramos em uma casa alugada por um “investidor”. Na época, parecia um sonho, já que esse investidor, além de pagar o nosso aluguel, pagava a entrada em todos os torneios que jogávamos. Mas, agora, percebo que, na verdade, estávamos em um pesadelo.
Vivíamos como ratos, jogando pôquer por dezoito horas seguidas, trancados no escuro numa casa sem uma janela sequer. Quando conseguíamos algum lucro, quase tudo ia direto para o bolso do “investidor”. Estávamos sempre duros — e, nas semanas em que não vencíamos, simplesmente passávamos fome.
Era uma rotina de altos e baixos, onde a euforia de uma vitória rapidamente se dissipava na realidade das despesas diárias. Diversos dias, só comendo miojo, esperando o próximo torneio, com a crença de que a nossa sorte mudaria.
Pulei fora do barco quando conheci a minha esposa, Amanda. Apesar dela não ser exatamente contra a minha carreira, a instabilidade financeira e emocional de viver de apostas era um motivo de atritos constantes nos nossos primeiros meses de namoro.
E eu já estava exausto daquela rotina, anos nessa luta e os dias de glória nunca chegavam. Decidido a mudar minha vida, abandonei o poker, em busca de uma vida mais estável, construindo pouco a pouco, junto da minha esposa, o nosso futuro.
Mas, ali estava eu, num bar em plena terça-feira, provando que alguma coisa tinha falhado nesse plano. Não estava lá porque queria naquela noite, mas porque eu precisava beber.
Sei que nesses relatos eróticos, as mulheres são sempre magras, bundudas e peitudas. Os homens possuem pirocas de cavalo que jorram leite como uma teta de vaca. E o sexo é sempre uma experiência transcendental. A minha história vai ser um pouco diferente, prometo que vou sempre tentar ser o mais honesto possível, contando nos detalhes toda a insanidade que me aconteceu.
E já que tenho que ser verdadeiro, o motivo por que estava ali, com dor de cabeça, sofrendo e evitando minha própria casa, era um problema extramente comum em homens na minha idade, embora ninguém goste de admitir.
Pela primeira vez na minha vida, eu havia brochado. E sempre quem brocha tem alguma desculpa do tipo – “Ah, eu tinha bebido”, “Não tinha dormido nada na noite anterior” ou “Estava estressado do trabalho” – bom, acho que vou ser o primeiro brocha honesto do mundo. Não tinha uma gota de álcool no meu sangue, dormi como um neném na noite anterior e meu trabalho só é um porre, mas não tem estresse nenhum.
Ser obrigado a assistir à minha esposa batendo com meu pau molenga em sua própria cara, foi a sessão de psicanálise mais intensa que tive na vida.
— Vai, meu gostoso, quero esse pau inteiro dentro de mim. — Amanda disse uma hora, tentando me ressuscitar, embora seu ímpeto só piorasse toda a situação.
Foram quase dez minutos dessa tortura, antes dela finalmente desistir, me abraçando e dizendo que estava tudo bem, como se eu fosse uma criança machucada. E meu passeio no inferno não terminou por aí. O resto da noite ouvi as "soluções" que minha esposa encontrava na internet.
— A gente podia tentar acupuntura, né?
— Amendoim ajuda, sabia? É afrodisíaco.
— Ah, olha aqui! Existem terapeutas especializados nesse tipo de coisa, talvez valesse a pena marcar uma sessão.
As palavras dela entravam por um ouvido e saíam pelo outro. Não é que eu não valorizasse a opinião dela. Só que, na verdade, eu já sabia qual era a solução. O que eu realmente precisava era apenas um dia.
Começaria esse dia indo ao supermercado, comprando tudo que quisesse, sem ter que ficar analisando qual leite está mais em conta. Depois, eu comeria até quase explodir, sem me importar com calorias ou a quantidade de fibra no meu prato. Se eu fosse para o trabalho, seria apenas para chutar a porta do meu chefe e mandá-lo tomar no cu. E, para terminar com chave de ouro, em vez de fazer um papai e mamãe forçado com a minha esposa, estaria com vinte novinhas na cama, arregaçando o cu de cada uma delas.
Era isso que eu precisava. Um dia para me sentir livre de verdade, longe de toda monotonia da vida pacata e estável que eu tinha.
Lógico que nunca revelei esse desejo inconfessável para a minha esposa. Somente concordei com a ideia dela de tentar na próxima vez uma massagem relaxante e assistir a um pornô, virei para o lado e capotei. Claramente, não resolvia o problema, apenas o empurrava para o futuro, quando talvez um Lucas menos exausto seria capaz de lidar com ele.
E, de certa forma, era isso que estava fazendo naquela terça-feira. Me encontrar com o Fábio era a minha forma de resolver a situação.
Sei que vou parecer uma pessoa má ao confessar isso, mas a vida dele sempre foi uma bagunça — carreira, família, dinheiro, relacionamentos… nada dava certo. Encontrar com ele me faria sentir melhor comigo mesmo. Seria como olhar para um espelho, que revelava como minha vida poderia ter sido, caso não tivesse escolhido o caminho mais estável.
Sim, a desgraça de Fábio era “boa” para mim, mas juro que eu não sou um completo psicopata. Sei que esses sentimentos eram errados, e até me sentia bastante culpado com meu egoísmo. Para compensar, já tinha até decidido que, se ele me pedisse algum dinheiro naquela noite, eu o ajudaria — desde que não fosse uma quantia absurda.
Esse era todo o contexto que me levou a um bar terça-feira à noite. Agora, consegue imaginar o meu choque quando Fábio chegou dirigindo uma BMW novinha?
Claramente, meu amigo não precisava de dinheiro. Fora que, se o objetivo dele fosse me colocar num esquema de pirâmide, com toda a certeza do mundo, eu aceitaria. Seja lá o que fosse, estava funcionando — e muito — para ele.
Quando me viu, Fábio correu para me abraçar e me deu um beijo na bochecha, como se fosse um mafioso. Antes que eu conseguisse processar o que estava acontecendo, ele deslanchou a falar, umas mil palavras por segundo, perguntando da minha vida, da minha esposa, do meu trabalho, da minha felicidade.
Rapidamente, a empolgação dele já tinha sugado toda a energia dentro de mim. Me sentia exausto, pensei até em pedir a ele para bebermos em silêncio, como dois cowboys em um filme de faroeste.
Ainda assim, contei a ele tudo que aconteceu na minha vida nos últimos anos, e mesmo caprichando nos detalhes, essa parte da conversa não durou mais do que o tempo entre fazer o pedido e o garçom trazer as nossas bebidas.
Depois que Fábio descobriu tudo sobre a minha vida, era minha vez de entender qual foi o pacto com o diabo que ele fez para conseguir um carrão daqueles.
Perguntei se ainda jogava pôquer, mas ele me cortou no meio da frase, chamando o garçom e pedindo mais uma rodada.
Insisti e perguntei o que ele andava fazendo da vida. Ele se levantou, disse que estava apertado, e foi ao banheiro.
Na última investida, fui bem direto, perguntando como ele tinha comprado aquele carrão. Porém, Fábio fingiu se distrair com as moças que chegavam no bar e foi até a mesa delas puxar papo.
Bom, se ele não queria contar, deveria ser algo vergonhoso ou errado. Provavelmente aquele viado devia estar vendendo drogas. Desisti de entender como ele tinha ganho aquela grana, e foquei no meu copo.
Enquanto ele puxava papo com todos os rabos de saia do bar, tomei uma, depois outra… até a tristeza tomar conta de mim. Totalmente descontrolado pelo álcool, interrompi o xaveco dele, chamando-o para fumar.
Na nossa conversa fora do bar, abri meu coração a ele. Contei tudo que tinha acontecido na noite anterior, dramático como só o excesso de álcool permitia. Era ridículo, meu olho chegou até a lacrimejar, como se, ao invés de brochar, eu tivesse descoberto que tinha câncer.
Antes que desabasse ali mesmo, fazendo o maior papelão da minha vida, Fábio se aproximou e passou o braço pelo meu ombro, me puxando para perto.
— Meu irmão, cê sabe que nossa história é antiga, né? — disse, dando uma leve apertada nas minhas costas.
Balancei a cabeça, lutando para retomar o controle das minhas emoções.
— Não conto para ninguém de onde tá vindo meu dinheiro, pra não fuder o esquema — continuou, os olhos fixos nos meus — mas, cara, cê tá precisando, não posso deixar meu irmãozinho na pior.
Ele fez uma pausa longa, não sei se querendo aumentar o impacto emocional daquele momento ou se apenas estudava as minhas reações.
— Se eu te contar, tem que prometer que nunca vai abrir o bico pra ninguém.
Arregalei os olhos, possuído pela curiosidade. Sem nem pensar se era sensato ser o detentor de um segredo daquele calibre, assenti mais uma vez com a cabeça, pronto para saber qual era a galinha dos ovos de ouro dele.
— Conheci um clube de poker aonde só vão uns ricaços da porra. Eles são horríveis! Dá pra ganhar uma puta grana… Se você quiser, consigo colocar você na mesa.
CAPÍTULO 2
Bastou chegar no endereço que Flávio me enviou por mensagem para ter certeza — aquele BMW só podia ter sido conquistado com o dinheiro do tráfico. Não tinha outra explicação.
Estava no meio da Cracolândia, de frente para um prédio comercial caindo aos pedaços, me perguntando se era louco o suficiente para continuar. Nem fodendo que um ricaço viria até aquele lugar apenas para jogar poker.
Entrei no prédio certo de que estava no lugar errado. Para piorar, não tinha uma viva alma na portaria para me dar informação. Tive que seguir as instruções de Fábio, descendo até o subsolo, com os meus passos ecoando alto nas escadas metálicas.
Quando alcancei a porta que, segundo ele, era a entrada do clube, hesitei por um segundo. Aquele ambiente surreal fazia todos os meus instintos de sobrevivência gritarem, como se estivesse diante da mais óbvia de todas as armadilhas. Ainda assim, respirei fundo, girei a maçaneta e, contrariando meu bom senso, entrei.
Sai da escuridão da garagem do prédio abandonado e fui imediatamente golpeado por uma luz intensa. Meus olhos demoraram para se adaptar ao novo ambiente, uma sala branca, imensa, esparsa e desprovida de personalidade. O design de interiores que fez aquele projeto parecia interessado em maximizar o eco, como se quisesse que as paredes devolvessem os gritos que seriam dados ali.
Depois de tantos anos fora, não me sentia retornando a um clube de poker, e sim, entrando de braços abertos em um hospício.
Não tinha nem me acostumado com a luz, quando, do mais absoluto nada, um braço me puxou. Era Fábio, me abraçando e dando um beijo na bochecha, que aparentemente agora era a sua marca registrada.
Ele me guiou pelo salão, como um corretor de imóveis querendo vender a propriedade. Mostrou orgulhoso cada detalhe do lugar. Passamos pelas mesas de poker, o bar e o caixa, com ele contando histórias de cada peça de mobília ali. Não era apenas um clube de poker para ele, estava adentrando a casa do meu amigo de longa data.
— Vai jogar? O buy-in é cinco mil reais. — perguntou enquanto comprava uma cerveja para mim.
— Cinco mil? Enlouqueceu?! — deixei escapar, totalmente incapaz de disfarçar o choque.
— Relaxa, irmão. Eu pago a sua entrada, quero que você se divirta hoje. — respondeu, dando risada, como se minha reação fosse a coisa mais engraçada do mundo.
— Nem fodendo, Fábio. Eu tô enferrujado, seria jogar o seu dinheiro no lixo.
Mas ele não queria aceitar o meu não como resposta. Insistiu algumas vezes, e eu, que ainda não estava infectado com a loucura dele, neguei o mesmo número de vezes. Honestamente, mesmo quando jogava direto, em nenhum momento sequer considerei a possibilidade de sentar numa mesa e apostar tanto dinheiro assim.
Bebemos e jogamos conversa fora por mais um tempo, até que minha bexiga decidiu que não dava mais para segurar. Fui ao mictório, andando um pouco desengonçado, já meio alto da bebida. Quando voltei, Fábio não estava na nossa mesa. Girei o corpo devagar, os olhos, meio embaralhados, vasculharam o salão. Não demorou para encontrá-lo, até pela decoração minimalista da sala. Flávio estava no caixa, falando baixo e gesticulando como se estivesse fechando um acordo secreto.
Pensei que ele estivesse comprando sua entrada para uma mesa. Fiquei animado com a possibilidade de vê-lo jogar. Ele deveria estar muito afiado, já que, diferente de mim, ele continuou jogando e melhorando, sem desistir da luta, durante todos esses anos.
Mas, quando me aproximei, ele me empurrou a pilha de fichas que tinha comprado.
— Vai pra mesa 2. — disse, sorrindo, me desafiando a recusar.
Vai lá, não vou, vai lá, não vou, vai lá, não vou…
Eu juro que fiz de tudo, mas Fábio estava mais inflexível que uma rocha. Ficamos no impasse, até ele me dar um ultimato. Faltando segundos para a mesa começar, ele disse que, se eu não jogasse, o dinheiro iria para o ralo de qualquer forma, porque ele não jogaria e não seria possível conseguir um reembolso tão em cima da hora.
Não tinha o que fazer, aceitei. Tremendo, peguei as fichas e sentei no meu lugar da mesa, pronto para apostar cinco mil reais de um “amigo” que não via há alguns anos.
Logo nas primeiras mãos, percebi que estar fora de forma não era só uma desculpa que havia dado para não jogar. Cometi alguns erros de principiante. Todos esses anos fora do circuito profissional, não tinha nem sequer tocado em um baralho, nem mesmo para jogar paciência. Tinha um ranço profundo da minha época de poker, como se tudo não tivesse passado de um grande desperdício da minha juventude.
A única coisa a meu favor era que Fábio não exagerou quando disse que os jogadores daquele clube eram horríveis. De fato, o pessoal jogava de uma forma absurda, nenhuma decisão fazia sentido para mim. Era como se eles não entendessem nem mesmo a matemática básica por trás do jogo, e mesmo assim, estavam dispostos a apostar cinco mil reais. Uma completa loucura.
Decidi jogar com extrema cautela. Existe uma velha máxima que sempre é compartilhada pelos jogadores de poker: os dois tipos de pessoas que você não deve blefar contra são o profissional e o amador. O profissional vai ler cada reação sua e não vai cair no seu blefe, já o iniciante não vai nem entender que você está blefando.
Então, jogando apenas quando tinha cartas fortes, conseguia punir os erros sistemáticos que aconteciam naquela mesa, sem correr riscos ou me esforçar. Mesmo fugindo das maiorias das mãos, meus adversários entravam em batalhas sem necessidade, eliminando um ao outro, fazendo todo o serviço sujo para mim.
Minha estratégia funcionou. A mesa foi esvaziando, os jogadores foram eliminados, um a um. Quando menos percebi, já era o líder de fichas da mesa. Foi só nesse momento que finalmente parei de tremer. A premiação do terceiro lugar já me permitia pagar de volta o Fábio. A partir dali, tudo que eu conquistasse a mais naquela competição seria lucro.
Mais um jogador caiu, restando apenas eu e outro rapaz, que estava com uma pilha bem menor que a minha. Se ganhasse o “heads-up”, sairia dali com vinte mil reais. Único problema era que eu odiava essa fase dos torneios.
Algumas pessoas consideram o “heads-up” uma espécie de duelo moderno, um teste de coragem e intelecto. Mas, para mim, aquilo não passava de uma baboseira, não acreditava ser possível ter qualquer estratégia nessa hora. Tudo não passava de uma forma mais elegante de jogar uma moeda para cima para decidir quem ficava com a parte maior do prêmio.
Sei que é uma armadilha dos novatos culpar a sorte pelos seus desfortúnios no poker, mas como de costume, a moeda não me favoreceu. Como explicar que, mesmo tendo uma pilha maior e uma mão melhor, eu perdi para o meu adversário duas vezes em momentos de all-in?
Bem puto, saquei os dez mil reais que ganhei no caixa, pronto para devolver os cinco do Fábio.
— Esse foi por conta da casa, meu irmão. — disse.
Novamente, entramos numa guerra de insistência, eu tentando devolver o dinheiro e ele recusando. Depois de mais nãos do que eu consigo contar, ele fez um brinde “a nossa nova vida”, encerrando o assunto. Apesar de ser uma fortuna para mim, Fábio fazia questão de mostrar que aquele prêmio não faria a menor diferença para ele. Agora entendia perfeitamente porque aquele lugar era seu novo lar.
Voltei para casa, a adrenalina tomando conta do meu corpo. Mesmo ficando apenas com o segundo lugar, não dava para reclamar dos meus resultados. Quando sentei naquela mesa de poker, tinha uma dívida de cinco mil reais. Apenas três horas depois, estava voltando para meu lar com dez. Era muita grana e tudo tinha sido fácil demais.
Fiquei rolando na cama, olhando para o teto, com uma vontade enorme de voltar imediatamente para o clube e jogar mais um torneio. Depois de tanto tempo, havia me esquecido por completo de como era maravilhosa essa sensação de ganhar dinheiro no poker.
Só restava agora decidir o que fazer com o dinheiro.
Bom, tinha alguns boletos que estavam atrasados, embora minha situação financeira estivesse sob controle. Podia zerar tudo e começar uma reserva de emergência. Seria o correto a se fazer.
Mas, sabe como é, só se vive uma vez. Pagaria aquelas contas com meu dinheiro de vendedor de seguro. Queria usar o prêmio para curtir um pouco a vida. E eu já tinha uma boa ideia de como gastar.
Sempre que perguntava para a Amanda o que ela compraria se ganhasse na loteria, ela dizia que queria passar um dia em um hotel-spa em Atibaia. Eu achava até fofinho aquela resposta, porque, mesmo a diária do hotel sendo cara, não era tanto assim para só ser comprada quando a gente ganhasse na loteria. Talvez fosse só a forma dela me manipular para dar a viagem para ela como presente…
Então, estava decidido. Os dez mil reais do poker seriam mais que suficientes para surpreender a minha esposa.
CAPÍTULO 3
Paguei as diárias sem dizer nada, reservei o quarto mais caro, com tudo que tinha direito. Escondido, tentando ao máximo não fazer nenhum barulho, arrumei as malas da minha esposa e as coloquei no porta-malas do carro. Estava tudo pronto para passar o final de semana no lugar que ela mesma descrevia como um pedaço de paraíso na Terra.
— Ah, pensei da gente ir para Atibaia almoçar num restaurante novo que abriu. A gente passa o dia lá e volta hoje mesmo, que você acha? — menti para ela quando finalmente chegou o dia.
Amanda pulou no meu colo e me beijou, a reação mais adorável do mundo. Se ela já tinha se empolgado com o passeio de mentirinha, mal podia esperar para ver sua reação ao descobrir a surpresa de verdade. Achei que ela surtaria, como uma criança indo para a Disney.
Pelo menos, era isso o que eu pensava…
Mas mesmo depois de uma década junto, Amanda ainda era totalmente capaz de me surpreender.
Quando paramos em frente à entrada do hotel, o sorriso de Amanda sumiu imediatamente do seu rosto. Me encarou, os olhos se estreitando, enquanto tentava processar o que estava acontecendo.
— Para de palhaçada, Lucas. Você tá falando sério? — perguntou, a voz carregada de preocupação.
Balancei a cabeça, sorrindo, ainda sem saber quão frágil era a minha posição.
— Que loucura! — ela exclamou, soltando uma gargalhada nervosa — A gente precisa conseguir o dinheiro de volta.
Fomos discutindo até o lobby da recepção. Minha esposa insistiu que eu precisava ir a um médico urgentemente, já que a única explicação plausível para eu ter torrado nossa renda mensal num fim de semana, sendo que tínhamos contas vencidas em casa, era algum tipo de lesão cerebral.
Ela ainda tentou, de todo o jeito, negociar com a atendente da recepção, buscando um reembolso, só se dando por vencida após ler de cabo a rabo o contrato de locação que eu havia assinado, se certificando de que não existia de fato nenhuma cláusula que nos permitia recuperar o dinheiro.
— Bom, não adianta chorar pelo leite derramado, né, amor? — disse resignada, exagerando no tom da última palavra, coisa que ela só fazia quando estava realmente furiosa.
Deveria ter gasto aquele dinheiro com algo para mim, como uma moto ou celular. Mas não, comprei a viagem dos sonhos dela e agora era punido pela minha incapacidade de antever as consequências dos meus atos.
Imagina só essa cena: nós dois, só de toalha, deitados em macas lado a lado, Enya tocando baixinho no rádio, e minha esposa mantendo uma longa conversa rancorosa consigo mesmo.
Não sabia nem se ela fazia isso para me provocar, ou se seus sentimentos estavam tão exacerbados que não conseguia se controlar para ter aquela discussão na sua própria mente.
Quando a massagista entrou na sala, logo percebeu o clima estranho. Se inclinou para a Amanda, e com a voz cheia de cautela, disse:
— Tudo bem, minha senhora? Quer que eu volte mais tarde?
Antes que ela terminasse a frase, Amanda pulou da maca, quase deixando a toalha cair, e agarrou o pulso da massagista. Os olhos arregalados, o rosto tenso, como se estivesse no meio de um surto psicótico.
Ela não queria uma massagem. Ela precisava.
Nesse clima super agradável, fizemos massagem, banho de lama e outras atividades do hotel. Curtimos o spa até o anoitecer. Voltamos para o quarto, tomamos banho e nos arrumamos para jantar.
— Onde você quer comer, amor? — perguntei.
— Não quero comer agora não, amor.
Depois de um dia inteiro de brigas, aquela simples frase foi a gota d'água para mim. Qual era o sentido de permanecermos casados se, mesmo numa viagem relaxante, estávamos em completa desarmonia?
— Não aguento mais! — gritei, a voz saindo muito mais alta do que eu pretendia. — Se você tá odiando tanto assim a viagem, arruma as malas e vamos embora de uma vez!
Minha esposa saiu do banheiro, totalmente pelada, com uma expressão triste.
— Só queria aproveitar o quarto antes de ir comer. — disse, me encarando com os braços na cintura, esperando uma explicação ou um pedido de desculpa.
Não sabia onde enfiar minha cara, errei ao achar que ela não queria jantar de birra, e mesmo assim, não tive a coragem de pedir desculpas. Olhei para baixo, esperando que ela lesse minha mente e entendesse quanto estava arrependido.
— Desculpa, amor.
Minha cara naquele momento deve ter sido impagável, porque Amanda começou a ter uma crise de riso. Eu estava completamente chocado. Em um período de dois dias, eu tinha ganho dez mil reais e minha mulher pediu desculpas, pela primeira vez em dez anos de casamento.
Existia uma enorme chance daquele hotel ser realmente o paraíso, e eu, sem saber, já tinha cruzado as fronteiras do além-vida.
Amanda se aproximou, tentando adotar um ar sério para criar um clima, mas pequenos risos ainda escapavam. Deslizou os braços ao redor do meu pescoço, enquanto me beijava, balançando os quadris, de um lado para o outro, como se dançasse uma música que só ela podia ouvir.
E eu amava quando ela começava as nossas brincadeiras daquele jeito.
O rebolado criava um toque delicioso, que, aos poucos, fazia os pelos do meu braço se levantarem. Por cima, seus seios durinhos roçavam contra o meu corpo, enquanto embaixo sentia nossos sexos se cruzando a cada balançar, criando instantaneamente uma onda quente que percorria meu corpo inteiro.
— Olha só como ele tá animado hoje! — Amanda disse, segurando o volume que se formava na minha calça.
Eu, com certeza, não era a mesma pessoa que havia brochado dias atrás. Não sei se foi por toda a raiva que passei durante o dia, ou se tinha outra força motriz dentro de mim. Mas, naquele exato momento, queria usar a minha esposa de todas as formas possíveis, coisas tão chulas que, se ela soubesse, tinha certeza de que fugiria dali.
Joguei, de qualquer forma, as roupas que havia acabado de colocar num canto do quarto. Amanda se ajoelhou na minha frente, os olhos fixos nos meus.
— Lu, fui muito chata hoje… o que eu posso fazer para compensar? — disse com um sorriso travesso, me masturbando de leve, enquanto esperava uma resposta.
Mestre do meu destino, capitão da minha alma. Sentia algo fluindo dentro de mim com cada carícia da minha esposa. Desejos que nunca passaram pela minha cabeça, agora fervilhavam sem controle, totalmente livres para me possuir.
Dei as costas para minha esposa, ajoelhei e apoiei minhas mãos no chão. Olhei para trás e Amanda estava confusa. Mesmo depois de tanto tempo de casados, agora era minha vez de surpreendê-la.
Com um gesto firme, conduzi sua cabeça para mais perto de onde eu queria ser estimulado aquela noite. Amanda entendeu, e não se fez de rogada. Mergulhou o rosto inteiro na minha bunda, totalmente imersa em coordenar a punheta com as lambidas naquela região.
Os dois, ajoelhados no chão do quarto, experimentando e vivendo coisas inéditas, mesmo depois de tanto tempo juntos. Era uma renovação dos nossos votos.
Amanda se enganou. Eu não estava somente “animado” naquela noite. Eu estava completamente ensandecido.
A mão invertida da minha esposa naquele ângulo criava um toque desconcertante. Assim, mesmo a punheta, que obviamente não era uma novidade na minha vida, tinha uma sensação única.
E quando as coisas pareciam caminhar numa direção previsível, lá estava de novo ela, a língua da minha esposa. Me afagando, em uma região tão desprivilegiada de nobreza, cada lambida era tão intensa, que me fazia tremer, comprometendo minha capacidade de permanecer ajoelhado.
E o mais poderoso de tudo, não existia, já que acontecia dentro da minha própria mente. A ideia de que minha esposa fazia toda aquela obscenidade a contragosto, apenas para conseguir o meu perdão, era a gasolina que eu jogava no meu fogo. Aquilo não era o tipo de coisa que um marido deveria fazer com sua esposa, mas sim, com uma vagabunda qualquer.
E, nessa noite, Amanda era essa mulher. Ajoelhada, com o rosto a centímetros do pior do meu corpo, ela não passava de uma escrava dos meus desejos. Um pensamento tão forte, tão proibido, que me consumiu por completo, fazendo o meu corpo inteiro formigar.
Com urgência, levantei, ficando frente a frente para minha nova posse. Tudo demorou menos que uma fração de segundo. Amanda gritou, se protegeu com as mãos, enquanto tentava desesperadamente fugir da enxurrada que vinha em direção ao seu rosto.
Eram muitas primeiras vezes, como se outro ser controlasse minhas ações e o meu corpo. Passado o clímax, a culpa tomou conta de mim. Talvez ali, tivesse passado dos limites. Voltei a mim e Amanda me encarava com um olhar sério, tentando me decifrar.
— Promete que essa é a última vez que você faz esse tipo de besteira? — disse, enquanto se levantava e ia em direção ao banheiro, tomar um novo banho.
Assumi que a besteira a qual ela se referia era o dinheiro, e não a gozada na cara dela. Prometi que sim, mesmo sabendo que não cumpriria aquela promessa.
Não precisava de terapia, todos os meus problemas seriam resolvidos se eu continuasse vencendo.
Capítulo 4
Fiquei olhando para o teto a semana inteira no meu emprego. Passava o dia sonhando acordado, planejando o que eu faria quando ganhasse o próximo campeonato do clube de poker. Para mim, não era uma questão de “se”, mas quanto eu iria ganhar.
Chegou a sexta-feira e enviei uma mensagem para o Fábio, perguntando que horas ele ia.
“Cara, nunca vou na última sexta-feira do mês, é o dia do Poker dos Cornos”, ele respondeu.
“O que diabos é isso?”, perguntei.
Julgando só pelo nome, achava que fosse alguma fanfic de qualidade duvidosa de Game of Thrones. Mas, mesmo se meu palpite estivesse certo, ainda assim, não explicava por que Flávio não iria ao clube.
“Toda sexta-feira tem um campeonato sem taxa de inscrição, onde o vencedor leva tudo”
“Sem taxa? E quanto é o prêmio?”
“1 milhão ou um prêmio alternativo.”
Tive que segurar meu queixo para ele continuar preso ao meu rosto. Um milhão de reais? Sem entrada? Naquele clube? Era uma oportunidade de ouro. Uma chance de mudar minha vida para sempre.
De qualquer forma, antes de participar daquilo, precisei saber todos os termos e condições. Contrariando a sabedoria popular, eu levo um cavalo recebido de presente ao dentista, para garantir que o meu novo equino está em perfeitas condições.
“Prêmio alternativo? Como assim? Por que você não joga se é sem inscrição?”
“Cara… vem comigo assistir hoje. Mais fácil mostrar do que te explicar.”
Enquanto esperava Fábio passar em casa para irmos juntos, fiquei andando de um quarto para o outro. Devo ter feito os meus dez mil passos no corredor, ansioso para um cacete com a ideia de competir, e principalmente, ganhar o prêmio. Mas ele atrasou horrores, quando finalmente chegamos ao clube, o campeonato já estava em andamento, restando apenas quatro jogadores na mesa.
Entre os finalistas, um deles me chamou muita atenção. Não exatamente por ser um exímio jogador de poker, mas pelo estilo exagerado do sujeito.
Os cabelos e bigodes eram brancos, usava um ridículo chapéu de cowboy, óculos escuros e um cinto de fivela. Em uma das mãos, um gigantesco charuto, enquanto a outra girava compulsivamente um copo de whiskey. Ele parecia uma versão “dark” do protagonista do Monopoly.
E mais por sorte do que por juízo, a pilha de fichas dessa caricatura crescia. Um jogador caiu, depois outro, até restarem apenas ele e outro rapaz na mesa. E apesar de o desafiante também estar com um copo de whiskey na mão, sinceramente, ele era tão jovem que não aparentava ter nem dezoito anos.
Um era jovem, o outro já grisalho. Um era negro, o outro, branco. Um parecia um executivo e o outro um motoboy. O contraste entre os dois finalistas era gritante.
Os dois jogaram mais algumas mãos, até que o jovem empurrou todas as suas fichas para o centro da mesa. Mesmo se ele quisesse blefar, seria difícil, dado a tremedeira de suas mãos e a tensão que exalava do seu corpo. Faltava apenas saber se o Clint Eastwood da Shopee tinha cartas de verdade na mão, e se fosse o caso, era o fim da linha para o moleque.
O velho colocou os óculos escuros na aba do chapéu, para encarar diretamente o seu adversário. O único som no clube inteiro era os passos apressados das pessoas se amontoando ao redor da mesa, ansiosas para testemunhar o desfecho daquela batalha. Virando o copo de whiskey, de forma teatral, o velho empurrou todas as fichas para o centro da mesa, aceitando a aposta.
Agora, as cartas nas mãos de cada jogador precisavam ser reveladas.
O velho batucou com seu dedo em cima das duas cartas que tinham escondidas, uma espécie de mandinga que traria a sorte a seu favor. Virou lentamente as duas cartas simultaneamente, brincando com a ansiedade da plateia. E…
Risadas. O clube inteiro foi tomado por gargalhadas. Um sete e um dois de copas. Aquele desgraçado decidiu jogar a mão final de uma mesa com prêmio de um milhão de reais com a pior mão possível do poker.
O moleque sorriu, a tremedeira finalmente parou. Rapidamente virou suas cartas, revelando um par de reis.
Na mesa, três cartas já estavam visíveis, um quatro e um valete de paus, junto de um oito de copas. Nove em cada dez vezes, o jovem venceria, por isso, ele já não conseguia se controlar. Chorava de alegria, suas mãos apontadas para o céu, agradecendo.
Eu jamais faria isso se estivesse no lugar dele. Duas cartas ainda estavam escondidas, e eu já tinha visto tantas coisas impossíveis acontecendo numa mesa de poker, que nunca celebraria antes da hora. Talvez esse seja o peso da juventude, não ter a consciência ainda das reviravoltas cruéis que a vida pode trazer.
A penúltima carta virou. Um nove de copas. Agora, qualquer carta daquele naipe, que o símbolo era sinônimo do amor, faria o sonho daquele menino virar pó.
As risadas cessaram. Olhei à minha volta, todos fixados na carta escondida, nem piscavam, para garantir que de forma alguma perderiam a decisão final.
Apesar de curioso com quem ganharia aquela mão, eu estava mais interessado em saber como cada um deles se sentia.
Os odds ainda favoreciam o menino, mas ele tapava o rosto com a mão, deixando apenas uma fresta entre seus dedos para não perder de vista a carta que faltava. Era como assistir ao atacante do seu time se aproximando para bater um pênalti, aquele momento antes da cobrança, que só de olhar para o rosto do jogador, você já sabe que ele vai errar.
Já o velho estava impávido, nada na sua postura ou expressões revelava o que acontecia no seu interior. Não sei como ele conseguia, se era por ter um controle total das emoções, ou um completo desinteresse com o resultado daquela mesa.
A última carta virou. O silêncio que se seguiu foi tão profundo que parecia engolir o ar do salão, nada do frenesi típico de uma final de uma mesa de um milhão de reais. Era o clima sombrio de um velório. Um rei de copas, a poderosa trinca que o menino tinha conquistado, ainda assim, era incapaz de derrotar o improvável “flush” do velho.
A quietude do salão só foi quebrada quando o perdedor colapsou, começando a berrar. Chorava de soluçar, como se houvesse perdido a própria alma naquela partida.
Com um profissionalismo exemplar, a crupiê apenas o ignorou a dor do jovem, perguntando ao vencedor:
— Markus, qual prêmio você vai escolher?
— A mulher do participante seis, na sala vermelha. — respondeu o velho, enquanto apontava com o queixo para o rapaz desesperado.
E eu, não fazia a menor ideia do que estava acontecendo ali.
<Continua>
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